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Evelyn Bandeca

A Tempestade Digital e o desafio de liderar em um mundo pós-pandêmico

By CI&T


A Tempestade Digital e o desafio de liderar em um mundo pós-pandêmico

Sim, vivemos tempos extraordinários e desafiadores, mergulhados numa das maiores crises da história moderna. Em paralelo, o software segue engolindo o mundo (Marc Andreessen, 2011) e possibilitando uma inédita e radical mudança de valores e hábitos de consumo em toda e qualquer indústria, em escala global. No mundo corporativo, a grande questão é: como as companhias devem reagir a essa tempestade digital que está apenas começando? Agora, reagir é transformar. E nesse caso, são mudanças em dois assuntos entrelaçados: pensamento estratégico e modelo de liderança.


Estratégia no mundo digital


Na virada do século 20, o acadêmico norte-americano Clayton M. Christensen introduziu pela primeira vez o conceito de inovação disruptiva no clássico livro The Innovator's Dilemma, de 1997. Dois anos depois, Stephen Coley, Mehrdad Baghai e David White publicam A Alquimia do Crescimento, apresentando o modelo dos Três Horizontes de Crescimento. Nas duas últimas décadas, esses trabalhos foram decisivos na evolução do vocabulário que as empresas aplicaram no desenho de suas estratégias de inovação, temperando o foco de investimentos entre desenvolver os negócios atuais e criar novas opções de crescimento em mercados adjacentes, além de opções/hipóteses de crescimento disruptivo para o futuro. Com a lanterna na popa, hoje não é difícil apontar uma falha grave nessa visão "clássica" de modelos de inovação: a hipótese de forte correlação entre tempo e nível de incerteza. Essas incertezas são basicamente de [1] aceitação de mercado, de [2] viabilidade tecnológica e de [3] modelo de negócio escalável. Ou seja, a falha é a visão de que quanto mais radical for uma inovação, maior o número de incertezas que terão que ser equacionadas e, portanto, mais tempo ela precisa para maturar e escalar. Será? Evidências mostram que não: um número cada vez maior de nativos digitais emerge em diferentes indústrias, destronando líderes outrora incontestes. E não apenas os gorilas digitais como Apple, Google, Amazon e Facebook, mas novos atores como Tesla, Uber, AirBnB, Netflix e uma interminável lista de icônicas empresas aceleram radicalmente o atual darwinismo digital. A causa raiz é o advento de um enorme conjunto de possibilidades tecnológicas e metodológicas para lidar com a incerteza, turbinadas pela redução drástica nos custos de computação e manuseio de dados, o domínio das mídias sociais e outras profundas mudanças nos valores e comportamentos da sociedade. O resultado é um imperativo estratégico para empresas se transformarem numa nova velocidade e também em inéditas direções. A "maldição de líderes do século XX" é que essas empresas se tornaram grandes corporações pela excelência de gestão da qualidade, produtividade, fornecimento, distribuição e complexidade em larga escala. O desafio é que a cultura e o modelo de gestão refinados para gerenciar de forma eficiente essa grande e complexa operação são justamente os elementos que impedem que a empresa seja mais rápida e inovadora, e portanto mais competitiva no século digital. Na prática, a mudança é encontrar um modelo organizacional e operacional desenhado para mudar na velocidade de seus clientes, se adaptar continuamente sem a necessidade das clássicas e cada vez mais frequentes "reorganizações corporativas". Essa seria a fundação da criação de uma estratégia centrada em inovação, ou, se preferir, de uma estratégia digital.


Liderança e sistema de gestão


Do ponto de vista metodológico, participei intensamente nas últimas duas décadas da criação de um arcabouço abrangente e poderoso que chamamos LEAN DIGITAL: a combinação da ruptura digital, caracterizada pelo uso agressivo de tecnologia, dados e design com a disciplina do pensamento lean e seus desdobramentos em modelo de liderança e operação voltados para o aprendizado. Essa jornada está documentada no recém-lançado livro "Faster, Faster: The Dawn of LEAN DIGITAL", onde sou um dos autores. Segundo os pilares do LEAN DIGITAL, a transformação sustentável de uma organização tradicional exige três grandes redesenhos. O primeiro é o mais visível: uma nova forma de conceber, construir e evoluir produtos, experiências e plataformas digitais. É claro que é sobre squads, ágil, DevOps, design thinking, microsserviços, nuvem, kubernetes, machine learning e uma interminável lista de métodos, práticas e tecnologias. Os outros dois são menos visíveis (e talvez menos gloriosos), mas igualmente importantes. O segundo redesenho é do sistema de gestão, ou seja, a maneira como a empresa planeja, faz orçamentos, relatórios e gestão de atividades. Esse novo sistema de gestão será o conector da estratégia com o trabalho diário das equipes. E, finalmente, a terceira mudança é uma nova abordagem no desenvolvimento das lideranças, para fomentar novas competências em executivos, executivas e de gestão, como embrião da criação de uma verdadeira cultura digital, colaborativa e inovadora: os comportamentos de chefia vão saindo de cena e abrindo o palco para os hábitos da liderança colaborativa. E esse é talvez o principal gargalo para a mudança: de maneira geral, a maior parte da atual liderança das empresas alcançou uma carreira de sucesso dentro do modelo clássico do século industrial, que é baseado em [1] estar no controle; [2] saber as respostas; e [3] não cometer erros. Não dá para pensar em alavancar a inovação e agilidade usando esse estilo de liderança, conhecido como Comando e Controle. Para jogar nesse novo mundo da economia digital, são necessários líderes que [1] inspirem, traduzindo estratégia em propósito; [2] que promovam a mentalidade de aprendizagem obsessiva; e [3] que também criem um ambiente para experimentação, para riscos e, claro, erros. Para o ou a líder, essa mudança não é simples e muito menos rápida, porém absolutamente possível: a minha própria história, minha jornada pessoal de mudança é um exemplo disso. Enquanto continuava desenvolvendo minhas habilidades técnicas em finanças, marketing, operações e, claro, tecnologia, mergulhei de cabeça em busca de um novo conjunto de habilidades sociais, para compreender melhor as pessoas, praticar empatia, colaboração, co-criação. Ao longo dos anos, fui abandonando o arquétipo do gestor científico e me transformando em um líder mais colaborativo e, portanto, mais útil. Os desafios de estratégia e liderança estão na mesa e já existem promissores caminhos para dar velocidade e consistência as inevitáveis mudanças no ambiente corporativo. Termino então com uma reflexão: da minha experiência pessoal, com 25 anos vivendo em tempo integral e de maneira apaixonada a intempestiva indústria de tecnologia, o maior aprendizado que ficou comigo e até me redefiniu como empreendedor e como líder foi: quanto mais a tecnologia é protagonista, mais importante é o fator humano. A tecnologia não inova (pelo menos não ainda), as pessoas sim. A tecnologia não está quebrando barreiras em nenhum setor ou mercado, as pessoas estão. Ser líder no século XXI é, afinal, dar um rosto humano à liderança. Publicado originalmente na MIT Sloan Review Brasil.

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